A lenda do cavaleiro Cayo e o Caminho de Santiago
Entre as várias histórias que alimentam o folclore do Caminho de Santiago, esta lenda jacobeia portuguesa do cavaleiro Cayo, inspirada na lenda Áurea, destaca-se como um exemplo de devoção, mistério e de ligação entre o sagrado e o terreno, apesar das diferentes variantes e interpretações que foram surgindo ao longo dos séculos.
A história que origina a lenda passa-se em 44 d.C., quando o corpo de Santiago é transportado desde a Palestina até à Galiza. Santiago tinha sido responsável pelo início da conversão da Península Ibérica ao Cristianismo, mas no seu regresso à Judeia acabou sendo decapitado. Então, os seus discípulos resolveram trazê-lo e sepultá-lo no noroeste de península, onde Santiago havia divulgado o Cristianismo em missão apostólica.
Durante a viagem, a embarcação passava pela praia do Espinheiro, um vasto areal no lugar de Bouças (hoje conhecido como Matosinhos) onde decorria uma sumptuosa celebração de casamento: a união entre o romano pagão Cayo Carpo Palenciano, da Maia, com a gaiense Cláudia Lobo. Durante a festa (embora não seja consensual que a festa descrita nesta lenda seja a do seu casamento), ao avistar a embarcação misteriosa, muito engalanada, que surgia no horizonte, o cavalo de Cayo, tomado de súbito ímpeto, galopou até ao mar, arrastando consigo o cavaleiro. Noutra versão da história, é Cayo quem tem a iniciativa de se aproximar, a cavalo, da embarcação.
Cavalo e cavaleiro, avançando sobre as águas sem se afundar, desaparecem no mar, ressurgindo em seguida perto da barca, miraculosamente construída de pedra. Cayo (e, em algumas versões, também o seu cavalo) ressurge das águas com as vestes totalmente cobertas por vieiras, havendo quem diga que, por isso, ele surge “matizadinho”, termo que chegou a ser associado à origem do nome de Matosinhos. Não existe, no entanto, consenso sobre a relação directa do vocábulo com a toponímia da cidade.
Cayo pergunta à tripulação qual a razão da sua viagem e estes explicaram que eram discípulos cristãos de um homem chamado Tiago. Tinham fugido de grandes perseguições e levavam o corpo do seu Mestre para ser sepultado em terras da Galiza, em Espanha, onde Tiago tinha pregado o Evangelho. Segundo estes homens, o fenómeno ocorrido com Cayo e o seu cavalo poderia significar que ele era um escolhido de Nosso Senhor e as vieiras eram sinal que Santiago queria ver Cayo abraçar a fé Cristã.
Emocionado e maravilhado, Cayo foi ali mesmo baptizado com água do mar e, quando voltou para junto dos seus familiares e amigos, a todos converteu ao Cristianismo, com o extraordinário feito de Santiago.
A lenda do cavaleiro Cayo é, assim, uma das muitas histórias que continuam a inspirar peregrinos, ligando a espiritualidade das suas jornadas à tradição popular enraizada no Caminho de Santiago. Ela não só evoca a memória do santo apóstolo e reforça o símbolo da vieira como o mais distintivo e conhecido de todos, como recorda as poderosas imagens de transformação e devoção que continuam a atrair aqueles que seguem as pegadas dos antigos peregrinos.
Mais do que uma curiosidade local, é um lembrete do poder da fé e do encontro entre o humano e o divino, que caracteriza este caminho milenar.