Caminho de
Santiago
Conta a Legenda Dourada, manuscrito sucessivamente reelaborado ao longo da Idade Média, que após a execução de Santiago, alguns dos seus discípulos, tomando as devidas precauções para não serem vistos, apoderaram-se do corpo do apóstolo e, levando-o consigo, embarcaram numa nave; mas como esta carecia de comandante, pediram a Deus que os guiasse com a sua providência e os conduzisse onde Ele quisesse para que aqueles venerados restos fossem sepultados. Conduzida por um anjo do Senhor, a barca começou a navegar e navegando continuou até arribar às costas da Galiza, onde o corpo de Santiago recebeu finalmente sepultura.
Muitos séculos depois, em momento desconhecido da década de 20 do século IX, o túmulo do apóstolo foi descoberto num abandonado mausoléu de origem romana, cujos restos se preservam sob a monumental catedral de Santiago de Compostela. Nesse sítio outrora ocupado por uma densa floresta, o arruinado edifício de época romana, entretanto aproveitado por um eremita para aí viver em reclusão, foi palco de prodígios noturnos de tal forma inexplicáveis que o próprio bispo Teodomiro, de Iria Flavia, ali se deslocou, tendo então reconhecido o corpo de Santiago, que jazia num túmulo de mármore.
Chegada a notícia à corte do reino asturiano, em Oviedo, o rei Afonso II deslocou-se das Astúrias à Galiza para testemunhar a própria descoberta. O túmulo de Santiago passou a ser o centro religioso do reino e Afonso II tornou-se no primeiro peregrino jacobeu. O monarca ordenou a construção de um mosteiro que zelasse pelo culto ao apóstolo e, em pouco tempo, edificou-se a primeira catedral e um hospital para acolher peregrinos.
A peregrinação a Compostela cresceu à medida que a cidade se monumentalizou. A maior parte dos peregrinos chegou pelo Caminho Francês, depois de ultrapassados os Pirenéus até Roncesvalles. Mas rapidamente começaram a chegar peregrinos de todas as geografias europeias: de Inglaterra e da Escandinávia, por barco, até ao porto da Coruña; do Centro da Europa e de Itália, por terra, através dos itinerários que se encontravam em Puente la Reina; e de Portugal e do Sul da Península Ibérica, por caminhos meridionais atlânticos.
A redescoberta dos Caminhos de Santiago, impulsionada primeiro por Elias Valiña Sampedro (1929-1989) e continuada até hoje em vários países europeus, representa o encontro com a profunda herança do culto ao apóstolo Santiago que caracteriza a história de vários países e também com a história da mais importante peregrinação da Europa ocidental. A revitalização das peregrinações está ainda em expansão, na medida em que continuam a surgir caminhos, alguns com mais fundamentação histórica do que outros. O Caminho Central Português foi marcado com setas amarelas a partir do Porto ainda no final do século XX. Nos primeiros anos do novo século, marcou-se o itinerário a partir de Lisboa e, em anos recentes, sinalizaram-se muitos trajetos em praticamente todo o país. Os desafios continuam com o alargamento da rede de albergues e um conjunto diversificado de processos de qualificação dos trajetos. Nunca como hoje tantos peregrinos percorreram os caminhos jacobeus portugueses.